O blogue L’Obéissance est morte junta alguns pensadores, nomeadamente artistas e historiadores, a refletir sobre os mais diversos assuntos da sociedade atual e nomeadamente a arte. O seu mote é: ” A luta é contínua e continua, mas nós queremos o fim: chamemos-lhe comunismo ou emancipação TOTAL. Sabemos que a emancipação é legítima mas ilegal, tal como o capital-parlamentarismo é legal mas ilegítimo. A resistência ao fascismo económico não será nem pacífica nem violenta: será o que o MOMENTO decidir! Esperamos muito dos leitores, porque alguém tem que estar deste lado. Somos mais.”
Desse blogue chegam-nos algumas considerações sobre o turismo como um agente massificador e destrutor da identidade das cidades.
Por PDuarte: A falsificação do real
“Subproduto da circulação das mercadorias, a circulação humana considerada como um consumo, o turis- mo, reduz-se fundamentalmente à distracção de ir ver o que se tornou banal” (Guy Debord)
Viajar por outros mundos é uma coisa séria. Sairmos por um tempo do nosso mundo para mergulharmos na rotina de outro mundo, guiados exclusivamente por quem o habita, é algo de extraordinário e único. Quem já o experimentou sabe que marca profundamente, como poucas experiências na vida: quando regressamos ao nosso mundo, vimos transformados; vimos diferentes, enriquecidos de novos saberes e perspectivas para transformar o quotidiano.
Mas essa imersão radical noutros mundos está em vias de extinção. Porque o turismo se tornou hegemónico na mediação das viagens dos consumidores contemporâneos.
O turismo é hoje a indústria que promove a instrumentalização do território com vista à criação de materialidades consumíveis. O território é assim adulterado pelos operadores turísticos para das suas paisagens, arquitecturas, lugares e monumentos se fabricarem imagens apelativas e facilmente vendáveis. Sector estratégico da vastíssima indústria de entretenimento global, o turismo fabrica mentirosos mas lucrativos supermercados de imagens, sem qualquer ligação aos verdadeiros usos e costumes das populações a que supostamente essas imagens fariam referência.
(…)
Enquanto promotor da mercantilização do território, com tudo o que este inclui, o turismo cria versões mercantilizáveis dos mundos em que opera. Versões que, para atraírem consumidores, falsificam os mundos que supostamente representam. Os pseudomundos criados pelo turismo são mundos que simplesmente não existem, mas cuja representação se converteu num dos mais apetecíveis negócios do nosso tempo.
O autêntico, que num qualquer pacote ou guia turístico se vende ao consumidor, é uma das ficções que nos tempos que correm está mais em voga no universo turístico. Na sua acumulação de experiências supostamente autênticas, os peregrinos dos roteiros Lonely Planet, por exemplo, não chegam a aprofundar nenhuma dessas experiências coleccionadas, pelo que a suposta autenticidade consumida é apenas uma representação esvaziada daquilo que poderia efectivamente ser autêntico.
Por conseguinte, quando sai do seu mundo, o turista nunca chega a entrar num outro mundo; o que lhe é apresentado é sempre um pseudomundo, dentro do qual ninguém tem histórias pessoais, vinculadas a biografias verdadeiras, para contar. E, quando por casualidade aparece esse alguém, disponível para contar histórias que falam da realidade dos lugares, é o turista quem se vê forçado a abortar o convívio que poderia prolongar-se, dada a sua pressa crónica para prosseguir um qualquer roteiro, que lhe permita acumular experiências consumíveis; e, refira-se também, o seu interesse (com a excepção de algum turismo alternativo emergente) tão pouco é conhecer lugares da perspectiva de quem os criou.
Mas dizia eu que o turista nunca chega a entrar senão num pseudomundo exclusivamente fabricado para ser consumido, no interior do qual ninguém possui histórias reais para partilhar, porque o interior desse mundo falsificado não é habitado por um único ser que nele construa a sua vida: empregados de restaurantes e de lojas de souvenirs, recepcionistas, motoristas, vendedores, cozinheiros, falsos artífices, seguranças privados, polícias, guias profissionais apenas desempenham a sua função profissional para viabilizar o consumo turístico do território. Mas, terminado o seu turno, cada um destes assalariados regressará ao seu lar (é aqui que estão os mundos verdadeiros onde o turista jamais entra porque neles não há espectáculos fabricados para serem consumidos; se entrasse por via da amizade, ele não seria um turista que é por definição um consumidor), situados à margem do pseudomundo turístico que irriga a economia global, onde os bigplayers nunca são os pequenos peões da economia regional, mas uma pequena rede de empresas gigantes com negócios à escala planetária.“